sábado, 13 de junho de 2015

















OMISSÃO

Li no jornal
Que dezesseis ianomâmis
Foram chacinados
No mesmo dia em que à noite
Alguns meninos foram executados
Na mesma semana em que numa favela
Moradores foram assassinados
No mesmo mês em que o New York Times
Noticiou nossos bosques incendiados
Na mesma hora em que neguei três vezes
A um menino, alguns trocados.



COLETIVO

Noite dessas entrei
Em um ônibus lotado
Pessoas, marmitas,
Mochilas por todo lado
Cansaço e melancolia
Nos olhos daquela gente
Era o que se via...
Pensei sobre o assunto
Para escrever poesia
Mas pobreza não dá rima:
Pobreza dá é agonia!



CRÁS

Um beijo de vidro
Atravessa a praça
       E se estilhaça
  Contra a vidraça.
       Desastrevidro
               Atrevido
            Beijo fatal
         Amor tecido
              De cristal.






CELESTIA

Estrela
Que estraçalha
O espaço...
Navalha
Fio de aço,
Reluz
No céu
Um açoite...

Enquanto isso
À anos luz
No sul
De um continente
De um planeta azul,
Incontinentes
Os homens se escondem
Com medo da noite.




ARMAGEDON

FELIZ ANIVERBOLO
            ANIVERSARIA
OUTRO MILHANO
             PLANETERIA.
NÃO FOSSE
O NEANDERTOLO
                         OGIVORGIA
                         HOMO LUPUS
                         BESTA FERA
RUBROTÃO
                      ATMOSFERIDA.





TÉDIO

A hora...passa
O dia...  passa
O mês... passa
O ano...  passa
Passa a vida,
Passageiro
Da agonia..

A DIREÇÃO

Siga a seta
Siga a seta
Siga a seta
Siga a seta
Siga a seta
Siga a seta
Siga a seta
Siga a seta
Siga a seta
Siga a seta
Siga a seta
Cega seta.



ESTOJO AZUL E BRANCO

            Perto de casa havia um armazém que vendia de tudo. Esses armazéns, conhecidos como “vendas”, eram muito comuns. Lembro que tinham geralmente um cheiro forte de temperos exóticos, misturados a aromas mais adocicados. Sobre o balcão, estampavam-se os varais nos quais se penduravam queijos salames defumados, lingüiças e carne seca. Aos arredores, sacos de cereais que eram vendidos a granel, pesados e colocados em pequenos sacos de papel pardo. Também o óleo era vendido em litros, colocados em garrafas de vidro por meio de uma maquininha que funcionava com uma alavanca que impulsionava o liquido por um caninho até à abertura da garrafa, desenhando um espetáculo à parte para os olhos curiosos de criança. No balcão ficavam expostos os famosos doces de pé-de-moleque, maria-mole, coração-de-abóbora, canudinho de leite, sem falar nos sonhos e pudins de farinha e leite, os tais “pudins de padaria”. Só de lembrar desses sabores da infância, minha boca se enche d’água.
            Nas vendas, não havia apenas gêneros alimentícios, mas também aviamentos, botinas, regadores, enxadas, chapéus, fumo de corda, canivetes, caldeirões, caçarolas, cortes de fazenda (que era como se chamavam os tecidos) e artigos de época, entre outras coisas. Tudo na base da caderneta. A palavra dada valia ouro e o acerto no final do mês era sagrado.
            Foi numa dessas vendas que minha mãe comprou o meu primeiro material escolar. Ainda trago na memória o dia em que fui com ela para comprá-lo. Um caderno brochura que trazia no verso a letra do hino nacional e o desenho de nossa bandeira, uma caixinha de seis lápis de cor com um soldadinho estampado na embalagem alaranjada, um lápis preto, um lápis vermelho, uma borracha e um apontador. Muito caprichosa, porém, ela ainda comprou um estojo plástico azul e branco, com tampa sanfonada. Para mim, aquele material tinha um valor inestimável. Hoje mais ainda, quando penso no quanto deve ter sido custoso, naqueles dias de poucas posses, ainda mais quando me lembro da bolsa em forma de pasta, preta, com presilhas prateadas que ela me trouxe da “cidade”, que era como nos referíamos ao centro comercial.
            Lembro disso hoje, quando as papelarias e hipermercados expõem infinitos modelos de fichários e cadernos perfumados, acolchoados, com os heróis e ídolos da moda estampados em suas capas, mochilas dos mais variados modelos, canetas dos mais variados tipos, lápis de todas as cores, borrachas de todos os formatos, enfim, uma variedade tão imensa que os olhos até se perdem. Apaixonado que sou por tudo o que possibilite a escrita e o aprender, penso que seja até saudável que haja tantas opções para estimular as crianças a irem para a escola. No entanto, fico pensando em algumas situações que também devem ser levadas em consideração.
            Não vou nem discutir os custos desses materiais diferenciados e a falta de acesso a eles por boa parte das crianças que freqüentam as escolas públicas, por exemplo, e que dependem do material doado pelo Estado para continuar freqüentando a escola. Aliás, penso que o governo não deveria doar materiais e livros aos milhões como tem sido feito, mas propiciar aos pais dessas crianças a possibilidade de ganho digno por meio do trabalho para comprarem o que melhor lhes conviesse.
Tudo o que se refere à escola tem que ter, a meu ver, um caráter educativo, inclusive a compra do material escolar. Lembremo-nos disso e não percamos a oportunidade de discutir com nossos filhos sobre a importância da leitura do mundo e, conseqüentemente, do consumo ético e consciente. Valerá a pena, certamente.


                                                                                 Arnaldo Martinez de Bacco Junior